“Common law” e “civil law” – aprendendo Direito com o Rei Artur e com Napoleão Bonaparte

Em razão da preocupação do Direito brasileiro com o tema dos precedentes, cada vez mais as pessoas têm estudado as diferenças e as semelhanças entre as tradições jurídicas de civil law e de common law.

Se você se interessa pelo assunto, você já sabe o básico:

A tradição de civil law é chamada de tradição romano-germânica, europeia continental, e tem como principal fonte do direito a lei escrita, tendo uma especial preferência pela ideia de grandes códigos de leis. Essa foi a tradição jurídica que chegou ao Brasil, pelos portugueses.

Já a tradição de common law é também chamada de anglo-saxônica, tendo se desenvolvido na Inglaterra e suas colônias, em especial nos Estados Unidos, e tem como fonte principal do direito o costume. Acontece se existe uma disputa a respeito do costume, como ele não é escrito, cabe aos juízes esclarecerem qual o costume aplicável. Daí surge a ideia de precedente. Por isso se diz que, embora o common law seja um direito “costumeiro”, ele tem no precedente a sua principal fonte do Direito.

Bom, isso é mais do mesmo. O que eu quero mostrar para você é que, se a gente estudar um pouco de História, a gente consegue também compreender um pouco melhor o Direito.

Aproveitando essa onda que procura comparar e aproximar as duas grandes tradições jurídicas ocidentais, vamos ver como as tradições de common law e de civil law têm a mesma origem, e descobrir qual foi o grande momento no qual elas se separaram uma da outra.

E é assim que você pode aprender Direito com o Rei Artur e com Napoleão Bonaparte.

Bem, possivelmente o Rei Artur seja apenas uma lenda medieval da Inglaterra. Mas um filme recente explorou uma hipótese interessante, elaborada no século passado. Essa hipótese era que as lendas do Rei Artur teriam sua origem num general romano que lutou na ilha da Grã-Bretanha.

Sim, você sabia que a Grã-Bretanha fez parte do Império Romano, entre os anos 43 e 404 D.C.? Tendo sido dominada por Roma, o Direito romano foi levado para lá.

E como era o Direito Romano naquela época?

Do mesmo jeito que é a tradição da common law. A fonte do Direito (pelo menos do direito privado) era o costume, e o costume dos romanos era revelado pelas decisões judiciais. Podemos dizer, então, de forma grosseira, que este era um “sistema de precedentes.”

Outra coisa: você sabia que Roma pode ter deixado de existir como um império, mas mesmo onde ela deixou de existir o seu Direito e a sua religião permaneceram? Na Europa Continental, os bárbaros que conquistaram Roma assumiram o Direito Romano e a religião romana, o catolicismo.

Na Inglaterra, aconteceu exatamente a mesma coisa. Mesmo depois que Roma saiu de lá, a forma de ver o Direito dos romanos continuou.

Então nós já entendemos que a tradição jurídica anglo-saxônica, o common law, é descente do Direito Romano. E a tradição romano-germânica, o civil law?

O próprio nome (romano-germânica) já mostra que ela é filha da mesma mãe. Mas porque essas irmãs ficaram tão diferentes?

Primeiro nós temos que entender de onde vem a ideia de códigos, em Roma. Os códigos que foram elaborados em Roma eram, na verdade, grandes coleções de decisões judiciais que eram utilizados para guiar o julgamento de casos semelhantes. Eram grandes “coleções de precedentes,” podemos dizer assim. Como nós já vimos, mesmo depois que o império romano do ocidente caiu, o Direito Romano, com aqueles códigos de decisões elaborados pelos romanos, continuou a ser usado pelos bárbaros europeus.

Mas preste atenção, por favor: aqueles códigos não eram códigos de leis, como conhecemos hoje. Eram códigos de decisões judiciais, de precedentes.

O que aconteceu, então? Uma coisa chamada Revolução Francesa. Com a Revolução de 1789, primeiro a França e, depois, a Europa, mergulharam no que nós chamamos de Estado Legislativo. A vitória da burguesia sobre o antigo regime, que era a monarquia absolutista, foi consolidada na ideia de separação de poderes elaborada por Montesquieu, na qual o Poder Legislativo, por ser composto pelos representantes do povo, tem a supremacia.

Isso foi o suficiente para a fonte principal do Direito, na Europa, deixar de ser o costume, como era desde a época dos romanos, e passar a ser a lei escrita.

Mas e o que o Napoleão tem a ver com isso, mesmo?

Bom, agora que o costume não era mais a fonte do Direito, que a fonte do Direito tinha que ser a lei, o pessoal precisava de leis, ora bolas. Só que elaborar leis dá trabalho…

Então eles pegaram toda aquela coleção de decisões judicias que vinha desde os romanos e transformaram numa única lei, num único Código, o Código de Napoleão. Então, pode ficar sabendo, os culpados por você ter que carregar o seu vade mecuum para cima e para baixo são dois franceses chamados Montesquieu e Napoleão Bonaparte…

Pois bem, já que o pessoal está estudando tanto, hoje em dia, as semelhanças entre a tradição jurídica de civil law e de common law, aqui vai mais uma: As duas são filhas da mesma mãe, de Roma. Elas se separaram só nos últimos duzentos anos, para voltarem a se encontrar nos dias de hoje.

E qual foi o caminho diferente que elas seguiram? Basicamente o seguinte: os ingleses se mantiveram fieis às suas origens, romanas, inclusive considerando o costume e as decisões judiciais como fonte do Direito; e os europeus continentais trocaram essa ideia pela da lei escrita, mas continuaram fieis a Roma ao transformarem os códigos de decisões romanas em Códigos de outro tipo, agora de leis.

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