Direito e moral

Vamos estudar agora o Direito e a Moral. A maneira mais fácil e mais didática de estudarmos o Direito é o método indutivo. Nós começamos com a unidade menor, que é a norma jurídica, e depois vamos para o todo, o sistema, que é o ordenamento jurídico. Também fica mais fácil estudarmos as semelhanças e diferenças entre direito e moral se formos da parte, das regras, para o todo.

Para irmos da parte para o todo, então, vamos começar compreendendo o que é uma regra. Uma regra é, por definição, um padrão. Quando algo se repete muitas vezes, ou quando se tem um modelo que deve ser observado, temos aí uma regra.

As leis da natureza, como a lei da gravidade, são espécies de regras porque elas nos falam de um determinado padrão. Sempre que soltarmos os objetos no ar eles cairão, e sabemos que o que está por trás deste padrão é a lei da gravidade, que é uma lei da natureza. O objetivo das ciências exatas é descrever com a maior precisão possível estes padrões. Por isso as leis da natureza, deduzidas pelas ciências naturais, também podem ser chamadas de “regras descritivas.” Elas descrevem as coisas como são. Por isso, também, dizemos que as leis da natureza tratam do plano do “ser.”

Mas é óbvio que nem o Direito, nem a Moral, tratam desses tipos de regras descritivas. As regras jurídicas e as regras morais são regras que se voltam ao comportamento humano. São espécies de regras sociais, que prescrevem comportamentos. Perceba a diferença: as regras da natureza são descritivas, as regras sociais são prescritivas. Elas não tratam do plano não do ser, mas do dever ser. Não como as coisas são, mas como as coisas devem ser. Então essa é a primeira semelhança entre as regras jurídicas e as regras morais: elas são regras sociais; tratam do plano do “dever ser”.

Entender essa diferença entre o ser e o dever ser é muito fácil, é só olhar em redor. Sabemos que um sinal vermelho, na rua, significa “pare.” Este é o “dever ser.” Mas muitas vezes esta regra é desobedecida, e as pessoas furam o sinal vermelho. Aqui, o “ser”, aquilo que realmente acontece, é diferente do “dever ser”. Ninguém consegue “desobedecer” a lei da gravidade, mas as pessoas podem desobedecer as regras sociais.

Quando uma regra social é desobedecida, então há uma consequência. Essa consequência é chamada de sanção. Embora nós liguemos imediatamente essa ideia de sanção à ideia de punição, é preciso esclarecer que a punição é apenas uma forma de sanção. Sanção, na verdade, é sinônimo de consequência, e não de punição. A sanção é o gênero, e a punição é uma espécie. Numa outra oportunidade estudaremos as diferentes sanções existentes no Direito. Mas neste momento, em que estamos pensando na desobediência a uma regra social, a ideia de sanção se confunde, na prática, com a de punição.

A segunda semelhança entre o Direito e a Moral é que tanto a regra jurídica quanto a regra moral têm sanções. Não é exatamente correto dizermos que as regras morais não tenham sanções (a não ser que estejamos adotando o ponto de vista de que uma regra moral é uma questão exclusivamente de convicções íntimas). Elas têm, sim, sanções, que são observadas dentro do grupo social no qual vigora aquele padrão moral. Mas a diferença entre as regras jurídicas e as regras morais é que as regras jurídicas são dotadas de sanção institucional, sanção estatal. Isso quer dizer que o Estado impõe a observância das regras jurídicas. Mas o Estado não impõe a observância das regras morais.

Essa separação entre direito e moral foi um dos grandes pontos do positivismo jurídico tradicional, com o seu “direito livre de valor”, que nós já estudamos aqui. Hoje, no entanto, no pós-positivismo, no Estado Constitucional, no jusnaturalismo de base racional, os princípios de justiça, os direitos fundamentais, como normas abertas, fazem com que o Direito tenha um contato com a justiça e com a moral que foi rejeitado pelo positivismo tradicional.

O ingresso ao Estado Constitucional fez com que se considerassem os princípios como verdadeiras normas jurídicas, e foi isso o que abriu o Direito para a conversa com a moral. Em outra oportunidade vamos estudar a diferença entre princípios e regras. Por ora, precisamos saber que, quando vamos lidar com os direitos fundamentais, precisamos considerar quais são as noções morais da sociedade, precisamos buscar um ideal de justiça. As próprias normas jurídicas podem ser construídas ou reconstruídas, diante de cada caso concreto, a partir desta necessidade de diálogo do Direito com a Moral.

Assista também:

– “Positivismo jurídico em 5 passos

– “Jusnaturalismo em 5 passos

– “Fontes materiais e fontes formais

Estado Constitucional (e algumas noções sobre controle concentrado de constitucionalidade)

Princípios e regras

Teoria da norma jurídica

Teoria da norma jurídica: sanções

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