Vamos agora estudar a diferença entre princípios e regras.
O primeiro passo para nós compreendermos a diferença entre princípios e regras é histórico: o Positivismo Jurídico tradicional,[1] com o seu direito livre de valor, era um sistema fechado. E, por ser um sistema fechado, era um sistema que pensava no direito exclusivamente a partir de regras.
Assim, nesse contexto, norma jurídica era sinônimo de regra jurídica. Um dos principais impactos do Estado constitucional[2] sobre a teoria da norma jurídica foi a diferenciação que se passou a fazer entre princípios e regras.
Os direitos fundamentais que têm a estrutura de princípios permitiram, a partir da transição do Estado Legislativo para o Estado Constitucional, a abertura do Direito para o diálogo com a moral e com a justiça.[3]
O caráter normativo dos princípios e a sua utilização para o controle do conteúdo da lei,[4] para o controle da decisão do legislador, foi o que deu origem, na Europa continental, ao reconhecimento dessa distinção.
No entanto, a primeira pessoa a realmente levantar essa diferença fez isso no contexto do “common law,”[5] e foi um americano chamado Ronald Dworkin. Depois de Dworkin, um alemão chamado Robert Alexy aprofundou essa diferença. A teoria do Alexy é a mais conhecida e difundida aqui no Brasil, inclusive no âmbito do STF. Por isso, nesse resumo, vamos estudar basicamente as ideias de Alexy. Em breve trataremos da comparação entre as duas teorias.
Segundo Alexy, então, diferença básica entre princípios e regras está na sua estrutura: os princípios são mais genéricos, têm uma estrutura mais aberta, e as regras são mais específicas.
Os princípios funcionam como mandados de otimização. Mandado, aqui, é sinônimo de ordem, então eles são ordens para que se realize o máximo possível para a implementação de um direito, de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas. Eles vão ter sempre um cumprimento gradual, na medida das possibilidades. Possibilidades fáticas e possibilidades jurídicas.
Como há muitos princípios na ordem jurídica, eles estão constantemente em choque. Quando você liga a sua televisão ou entra na internet, a todo momento há dois princípios em rota de colisão: a liberdade de imprensa com a intimidade das pessoas. A prevalência de um sobre o outro é dada por uma ponderação. E a ponderação sempre é feita diante do caso concreto.
A preponderância de um princípio sobre outro, num caso concreto, não indica a anulação do princípio que sucumbiu. Ambos são e permanecem válidos, mas um prevaleceu sobre o outro.
As regras são mandados definitivos, elas tratam de uma situação de fato bem definida. Ao contrário dos princípios, que se aplicam por uma lógica de ponderação, as regras se aplicam pela lógica da subsunção. A subsunção acontece quando você identifica a situação de fato especificamente tratada pela regra e faz a regra incidir sobre ela, aplicando a sanção jurídica prevista na regra. O raciocínio lógico que realiza a subsunção é um silogismo. Nós ainda vamos aprofundar esse assunto da estrutura e da aplicação das regras em outras oportunidades.
E as regras se aplicam, como ensinava Dworkin, pela lógica do “tudo-ou-nada.” Ou uma regra se aplica, ou ela não se aplica. Nas palavras de Alexy, se os princípios se aplicam na dimensão do peso, da ponderação, as regras se aplicam na dimensão da validade. Se você tem duas regras que tratam da mesma situação, uma, por exemplo, dizendo que é permitido andar na grama, e a outra dizendo que é proibido andar na grama, você precisa saber qual das duas é aplicável. Será uma ou outra.
A forma de resolver esses conflitos também vai ser abordada aqui, no futuro. Por ora, é suficiente saber aquilo que praticamente todo mundo sabe: se a regra que permitia andar na grama foi editada primeiro, e a regra que proibiu veio depois, então você sabe que a regra que vale é esta última, por ser posterior.
Agora, para você gravar bem a diferença entre princípios e regras, vamos trabalhar com um exemplo. A Constituição assegura a todos o direito fundamental à saúde. Mas isso é muito amplo, então nós temos aqui um princípio. Como se trata de um mandado de otimização, o Estado tem que fazer tudo o que está ao seu alcance, dentro das limitações fáticas e jurídicas, para viabilizar o exercício do direito fundamental à saúde da população.
O direito fundamental à saúde como princípio não nos diz nada a respeito de quais tratamentos serão disponibilizados pelo Estado para quais doenças. Para nós pensarmos em termos de doenças e remédios nós temos que pensar em termos de regras.
Assim, por exemplo, quando você diz que uma pessoa que tem um determinado problema cardíaco tem direito a receber aspirina do Estado, aí você tem uma regra. Uma situação específica, a doença específica, e a consequência específica, o remédio específico.
Mas o fato de o Estado prever, por meio de regras específicas, quais doenças vão receber tratamento não impede que, diante de um caso concreto, o direito fundamental à saúde determine a necessidade de que o Estado forneça um tratamento que não esteja previsto em alguma regra previamente aprovada por ele mesmo.
É claro que isso não é simples. Existem técnicas argumentativas para essa construção diante do caso concreto. A aplicação de um princípio diretamente ao caso concreto exige uma técnica argumentativa própria. O problema todo, no nosso país, é que o pessoal não domina essas técnicas. E aí os princípios são uma válvula de escape para todo o tipo de decisão. Mas isso é assunto para nós irmos aprofundando aos poucos. Em breve trataremos do Neoconstitucionalismo.
Link para o resumo deste conteúdo em pdf:
https://goo.gl/LRQSFP
Apostila de Teoria do Processo Civil “sem juridiquês”
[1] Recomenda-se o vídeo Positivismo Jurídico em 5 Passos.
[2] Recomenda-se o vídeo sobre o Estado Constitucional.
[3] Recomenda-se o vídeo Jusnaturalismo em 5 Passos.
[4] Recomenda-se o vídeo sobre constitucionalidade formal e constitucionalidade material.
[5] Recomenda-se o vídeo “Common law” e “Civil law” – aprendendo Direito com o Rei Artur e com Napoleão Bonaparte.
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