Entender a diferença entre as ideias de “rule of law” e “rule by law,” num primeiro momento, é bastante simples. Basta que nós nos concentremos nas preposições do Inglês.
Facilmente percebemos que “rule of law” é império ou governo do Direito e “rule by law” é império ou governo pelo Direito.
A ideia básica, portanto, é saber se o governo é do Direito ou de um homem ou de alguns homens. Aliás, a expressão completa, em Inglês, é “rule of law and not of men”: governo do Direito e não dos homens (é claro que, se você não admite a ideia de Direito natural,[1] nós estamos aqui diante de uma tautologia, pois o Direito sempre vai ser um fenômeno que depende de criação dos homens).
E aqui, então, nós temos apenas um jogo de palavras. E tudo se resume, nesse jogo de palavras, ao controle do poder. Na ideia de “rule of law,” o Direito controla o exercício do poder. Na ideia de “rule by law”, não há controle, o poder é ilimitado, e o Direito é apenas o instrumento do exercício do poder. Uma ditadura ou um governo totalitário, hoje, seria um exemplo de “rule by law”, e não de “rule of law”, porque o Direito é usado apenas como instrumento de dominação.
Mas para nós compreendermos melhor como surgiu esta ideia de “rule of law”, devemos voltar até a Inglaterra do Século XVII. E o nosso estudo sobre o contratualismo inglês de Hobbes e Locke[2] vai nos ajudar a compreender melhor este assunto.
2.1. O Século XVII e a transição, na Inglaterra, do absolutismo para o Parlamentarismo:
O Século XVII, na Inglaterra, foi o século da transição do absolutismo, quando todos os poderes estavam concentrados nas mãos do rei, para o parlamentarismo, quando os poderes passaram para o parlamento. Agora faça-se uma pergunta, para ver se você já entendeu os conceitos: o absolutismo é um exemplo de “rule by law” ou de “rule of law”? Se você pensou “rule by law,” você acertou!
Mas é claro que não foi assim: num dia a Inglaterra dormiu absolutista e no outro ela acordou parlamentarista. Foi um processo que demorou vários anos. Ao longo de todo o século XVII, a Inglaterra passou por uma guerra civil, por uma ditadura, e só no final, no ano de 1689, o parlamentarismo prevaleceu, com a Revolução Gloriosa. Até mesmo os pensadores da época disputavam sobre estes assuntos (nós já vimos que Hobbes justificava, com a sua teoria, o absolutismo, e Locke foi o teórico do parlamentarismo). Havia, então, muitos “campos de batalha,” e um dos campos de batalha foram os tribunais.
2.2. Edward Coke e o caso Bonham (1610):
Foi assim, em 1610, julgando o caso de um médico chamado Thomas Bonham (o famoso “caso Bonham”), que o Juiz Edward Coke afirmou a supremacia do “common law,”[3] do direito costumeiro inglês, sobre um decreto editado pelo Rei James I. Coke disse que um decreto do rei não poderia se sobrepor ao costume ancestral do povo inglês. Esse precedente, o caso Bonham, é considerado o primeiro caso no qual pode se identificar a ideia de “rule of law.” E Esse precedente também é considerado por muitos como o embrião da ideia de controle de constitucionalidade (assim como, hoje, a Constituição está acima das leis, assim também o “common law” estava acima das leis na Inglaterra).
Depois, com a vitória do parlamentarismo na Revolução Gloriosa, o “rule of law,” na Inglaterra, passou a ser identificado com a doutrina da Supremacia do Parlamento. E não devemos esquecer que a ideia básica por trás da supremacia do Parlamento Inglês era o controle do poder, para o que Coke utilizou o direito costumeiro (“common law”).
[1] Recomenda-se o vídeo Jusnaturalismo em 5 passos.
[3] Recomenda-se o vídeo “common law” e “civil law”.
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