Atendendo ao pedido do nosso amigo Mayk Lehmann, aqui vão cinco passos para compreender o jusnaturalismo.
O primeiro passo para entendermos o jusnaturalismo é compreendermos que esta é uma forma de ver o Direito que é antagônica ao positivismo jurídico tradicional. O positivismo jurídico tradicional é contrário à ideia de Direito natural exatamente porque, para o positivismo, o Direito é um fenômeno humano que depende de positivação, quer dizer, da previsão expressa na lei, para a nossa tradição de “civil law”. E, na sua forma tradicional, o positivismo não admitia influência da moral sobre o Direito.
O segundo passo é entendermos o que significa esta ideia de “Direito natural”: o “direito natural” recebe este nome porque ele é algo que decorre da natureza das coisas: assim como as leis da física são naturais, porque são inerentes aos fenômenos físicos, o Direito natural é inerente à natureza humana. Sendo inerente à natureza humana, obviamente ele tem que estar ligado à razão e à moral. E o Direito natural está acima da lei, e uma lei somente pode ser considerada válida se estiver de acordo com o Direito natural.
E agora damos os nossos terceiro e quarto passos, compreendendo quais são as fontes historicamente consideradas para o Direito natural: a razão ou a vontade de Deus.
A razão era vista como a fonte do Direito natural já na antiguidade clássica, na Grécia. Pois para os gregos, acima da lei estava o “lógos”, a razão, e as leis deveriam ser uma expressão da racionalidade humana. Uma lei que contrariasse a razão, para os gregos, não seria direito, por ser contrária ao Direito natural.
Com a consolidação do cristianismo, a vontade de Deus passou a ser considerada a fonte do Direito natural, e isso é algo muito natural (perdoe-me o trocadilho): você tem todo o direito de não acreditar em Deus; mas, se você acredita em Deus, não faz nenhum sentido pensar num Deus que seja a fonte de todas as leis racionais da natureza, e que tivesse uma vontade irracional. Na verdade, Agostinho de Hipona já ensinava que a vontade de Deus é igual à razão de Deus. Mas como muitas atrocidades foram e continuam sendo feitas em nome de Deus, dá até para compreender por que muitos ainda pensem que a vontade de Deus seria algo irracional (embora eu me recuse a concordar com isso).
Por fim, o último passo é compreendermos o que se chama, hoje, de “jusnaturalismo de base racional.” Esse é, na verdade, um outro nome para o Constitucionalismo contemporâneo, encontrado no Estado Constitucional ou mesmo no Neoconstitucionalismo, o que também se chama de pós-positivismo, ou positivismo crítico. E veja só que interessante: no nosso quinto passo do jusnaturalismo chegamos ao mesmo lugar em que chegamos no quinto passo do positivismo, só que com um nome diferente. Isso nos mostra, na verdade, que recentemente houve uma reaproximação entre as ideias de positivismo e jusnaturalismo: uma reaproximação entre o Direito e a moral.
O assim chamado “jusnaturalismo de base racional” parece com o Direito natural tradicional pois considera que existe alguma coisa acima da lei (e essa alguma coisa é a Constituição), e porque, por meio dos direitos fundamentais, permite que o Direito converse com a moral, mas é diferente do Direito natural porque isso que está acima da lei é a Constituição, que também é um fenômeno positivado, apenas que “uma lei maior.”
Vai aí um resumo dos nossos cinco passos:
1) Jusnaturalismo e juspositivismo tradicionais são antagônicos entre si;
2) O jusnaturalismo compreende que existe um direito que decorre da natureza das coisas, que é inerente à condição humana, e que este Direito está acima da lei;
3) Assim, a primeira fonte possível para o Direito natural é a razão;
4) A segunda fonte possível para o Direito natural é a vontade de Deus;
5) Hoje, quando falamos em “jusnaturalismo de base racional” estamos falando do Constitucionalismo, que compreende que a Constituição está acima das leis e que permite, por meio dos direitos fundamentais, que o Direito converse com a moral.
– Positivismo jurídico em 5 passos
– Fontes do Direito: fontes materiais e fontes formais
– “Common law” e “civil law” – aprendendo Direito com o Rei Artur e com Napoleão Bonaparte
– Estado Constitucional (e algumas noções sobre controle concentrado de constitucionalidade)
– Neoconstitucionalismo em 5 Passos
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